Téta-Healing: um texto pseudo-espiritual para curar a meritocracia da alma

Pegue seu quartzo rosa energizado, libere seus preconceitos e vem comigo nesta reflexão para desbloquear o fluxo do neoliberalismo espiritual que tomou conta do mundo.
Tudo começou quando gourmetizaram o “obrigado”. O que tem de errado com um obrigado, minha gente? Simples e honesto, esse agradecimento cheio de boa intenção e usado há séculos foi repentinamente substituído pela “gratidão” que, não satisfeita, virou “gratiluz”. Aí nosso autêntico “obrigado” foi cancelado pelo pessoal do coaching quântico e agora vaga deprimido pelo universo paralelo da realidade.
Uma lástima.
Daí em diante, foi ladeira abaixo.
A customização da fé não é, no meu entendimento, o maior problema. Junta uma ideia do hinduísmo aqui, uma teoria da cabala ali, coloca umas cartas de tarot, lê o horóscopo do dia e distribui uns cristais pela casa. Se te fizer bem, ótimo.
Para você!
A questão que me incomoda, ou melhor, me deixa puta, é que não existe só você no mundo. Pasmem! Olhe em volta e perceba que se seu processo de autoconhecimento espiritual não estiver conectado com os problemas do mundo, você está usando sua “good vibes” para disfarçar sua alma neoliberal egoísta.
Desculpe se desalinhei seus chacras, mas a teoria da prosperidade deve servir para erradicar a fome, o desemprego e não para você trocar de carro ou comprar a casa da praia.
A espiritualidade é uma coisa linda, mas fica feio quando serve para mercantilizar a vulnerabilidade alheia. Afinal de contas, qual a diferença entre um guru em posição de lótus vendendo um curso online de vivência mística e Edir Macedo pedindo o dízimo?
É só trocar “Deus” por “Universo” e Ele, o todo poderoso e capitalista, esqueceu o amor ao próximo e agora vibra na abundância do porcelanato.

Segura aí a mão do teu terapeuta, porque ainda vamos entrar no assunto de quão classista é ser espiritualizado nos dias de hoje. Já viram o preço dos cristais? Isso pra não mencionar que cristais são recursos naturais extraídos por crianças em condições análogas a escravidão da Índia, China, África e Brasil. Tem certeza que tu quer essa energia na tua casa, bênça?
O comércio do bem-estar definitivamente não está conectado com a vibração da sustentabilidade.
Existe a prática espiritual legítima, claro. Mas os jovens místicos andam conectados demais com os astros e desconectados com a realidade. O que faz muito sentido, considerando que a realidade está uma bosta. Então a armadilha está montada e, como o chão está escorregadio de tanto óleo essencial, fica cada dia mais fácil de deslizar e cair nesse poço sem fundo que é o autoconhecimento individual e crenças limitantes neoliberais.
O que nos limita é nosso egoísmo.
Então, na vanguarda da esquizofrenia coletiva, entoa esse mantra comigo: meu carma eu mesmo faço e, de quebra, ainda ajudo o carma dos outros. Porque está na hora dessa gente mostrar seu valor. Somos melhores que isso.

Dito isto, alerto que sou muito racional pois Capricorniana, tenho um deck de tarot feminista e coloquei uma espada de São Jorge na entrada da casa pra filtrar o mau-olhado. Vai que….

*Nota de rodapé – O título deste texto, caso você não entenda o vocabulário do jovem místico, vem de um conjunto de técnicas de terapia energética que identifica e transforma pensamentos negativos definidos como verdade, chamado ThetaHealing.

Você não é todo mundo!

Meu filho foi passar o final de semana na casa da praia com meus pais. No segundo dia mandei mensagem:

- E aí filho, tudo certo?
- Tudo. Estamos na praia.
- Mas já são 2 da tarde. Tua avó levou água, pelo menos?
- Não, mas tem um cooler de cerveja. Ela disse que cerveja é feita de água.

Parece exagero eu me preocupar com um menino que, na época já tinha 19 anos, mas minha mãe, ao contrário da de Paulo Gustavo, não é uma peça nem um filme, é uma piada.
Verdade seja dita sem pudores; toda mãe é uma piada.
Um dia fomos jovens aventureiras e de repente, contrariando a cadência das expectativas, nos flagramos dizendo “a gente compra na volta”. A vida, essa danada, nos dá uma rasteira e sorrateiramente nos transforma em “leva um casaco, pode esfriar”. A piada já seria essa, mas piora, porque seu filho responde “mãe, a gente mora em Recife, se esfriar vou precisar de cientistas para explicar o fenômeno, e não de casaco”.
Ah, esses jovens com seus colágenos e certezas, rindo impunimente de mães soterradas por anos de análise e toalhas molhadas em cima da cama.

Não tenho provas, mas tenho convicção que todo mundo tem mãe.
Isso explica o riso fácil de piada de mãe; identificação. A gente ri do que se identifica, seja como filho ou como mãe. O humor é uma ferramenta crítica, é aquele jeitinho todo especial que filhos tem de falar mal da mãe, sabendo que, se alguém rir,o objeto da gozação, neste caso a mãe, nem vai ficar chateada.
Se tudo der certo e a piada for boa, claro.
Fazer graça é a forma polida e discreta que aponta o abismo emocional entre gerações. “O humor é a brincadeira do adulto” diz Freud, e esse jogo de palavras irônicas, que muitas vezes se revela só no olhar e cumplicidade entre irmãos, pode fortalecer os vínculos emocionais. Só quem te conhece muito bem, consegue enxergar suas fragilidades e rir delas. Com amor, de preferência.
O lugar do riso é o do conhecimento. A gente ri do que nos é cotidiano, do que nos deixa confortável. E tem alguém com quem a gente se sente mais confortável do que nossa mãe?

Mães não deviam parir em salas de cirurgias nas maternidades, os partos deveriam ser feitos no divã do analista. Assim que nasce uma mãe, nascem as nóias, culpas, erros e acertos.

E assim seguimos, carregando nossos 50 tons de aflição, preocupadas com o tempo de vídeo game, com as notas do boletim e com o descongelamento das calotas polares, porém protegidas pelo manto invisível da felicidade que nos faz comer mc lanche feliz, só pra completar a coleção de Angry Birds.
Se filhos levassem mães a sério, a pandemia da Covid 19, por exemplo, nunca teria atingido o mundo. “Lava as mãos antes de comer, menino”, “tira essa mão suja da boca que tem micróbio”, e pronto, não teria vírus nem bactéria que resistisse a um bom conselho de mãe. Tanta reunião de zoom teria sido evitada, né gente?

Na época que meu filho era pequeno criei a festa na barriga para fazer ele comer. Cada garfada levava um convidado. Me achando esperta, os primeiros montes de comida conduziam os amigos da escola, os colegas do prédio, os parceiros do futebol. Quando Victor ficou cheio e disse “não aguento mais”, dei a cartada final, meu trunfo de criatividade:

- Mas esta garfada é a que leva mamãe. Você não vai me deixar fora da festa, né filho?

Ele, sem nenhuma cerimônia, ele respondeu:

- Mas mãe, você já organizou a festa toda. Melhor ficar em casa descansando.

Cheque mate; engoli o choro, o riso e pulei para sobremesa. Ele merecia! E nós mães merecemos descanso, nem que seja um descanso imaginário criado para ludibriar o “só levanta dessa cadeira quando comer tudo”.

Quando jovem, eu ria da minha mãe se ela confundia um pen drive com um cortador de unha.
Ela, sem se abalar, dizia:

- Te encontro na esquina.

Agora, vago por essa esquina, por onde eventualmente todas as mães passam, cheias de amor, contradições, doidices e cuidados. A esquina chamada vida onde vivemos esse experimento pedagógico social que é amar alguém incondicionalmente.
Pode rir filho, eu nem ligo. Estou ocupada demais cuidando de você, porque você não é todo mundo!

*Texto publicado na Revista Bergerson Magazine de Curitiba.

A queda

Hoje entramos em uma nova era: um mundo sem Zuckeberg.
Com a queda do Instagram, WhatsApp e Facebook, o planeta segue a tendência lançada pelo Brasil e volta ao paleolítico.
Jovens, tudo com crise de ansiedade, atônitos quando descobrem que o celular também serve para ligar e falar com as pessoas.
- Mas pra dizer o que? Eles se perguntam perplexos.
- Exatamente o que você diria pelo WhatsApp, só que com velocidade normal.

O país está off (shore) e a comunicação foi praticamente cortada entre os povos, mesmo aqueles que moram na mesma casa. A ideia de sentar da mesa da cozinha e trocar umas ideias, ao vivo, foi recebida como a tsunami que nunca veio: todos correram para as montanhas. Ou melhor, para o twitter.
Deus, numa vingança cármica contra Zuckeberg, apontou para o passarinho azul e pronunciou sua sentença: “mil cairão ao teu lado, mas tu permanecerás de pé”.

Numa diáspora virtual, todos correram para a única rede social com bateria suficiente para durar o dia todo, a bem dizer, o milênio todo: o twitter e seus 280 caracteres. Criado em 2006, essa rede social cringe, sobreviveu aos scraps do Orkut, as fotos de gato do instagram, aos textões do facebook e agora ao apagão mundial da comunicação virtual.

Todo mundo lá, numa aglomeração sem precedentes. Tem influenciador querendo furar fila e fakenews sobre o zuck do milênio. As informações se atropelam e se misturam.

- O zap caiu? Algum desavisado twitta.
- Caiu, Caiu, todos respondem a thread.
Os atrasados, sem entender nada, mas com muita esperança no coração:
- Quem caiu? Bolsonaro? Guedes caiu?.

Quem pode culpar esse brasileiro? A esperança é uma coisa linda.
Se a gente se juntar, além do zap, do face e do insta, a gente derruba o presidente, o preço da gasolina e a inflação.
Alias, por falar em presidente, “não foi possível atualizar seu feed” deveria ser o slogan do Governo Bolsonaro.

Claro que o Facebook está com depressão e crise de pânico. Ninguém sentiu a falta dele, nem vai perceber quando voltar. Dizem as más línguas que essa foi uma estratégia de marketing pra exterminar o Face sem velório nem enterro, como pede o protocolo Covid. Um fim trágico, mas que passaria despercebido pelo público geral. “Uma gripizinha” dirão os negacionistas, enquanto o TikTok, vacinado e de máscara, reinará triunfante num mundo frenético resumido em 60 segundos.

Então, caro leitor, não adianta tirar o moldem da tomada nem reiniciar o celular; o jeito é ler, escrever, conversar ou assistir sessão da tarde. Se cair o gmail e o zoom, a gente decreta feriado nacional prolongado.

obs – Se o twitter cair, a gente se encontra na fila dos Correios.

Batida Salve Todos – Segunda Temporada

No episódio anterior, nossa heroína, antes destemida e pseudo determinada, sucumbiu ao esmagador mundo das expectativas sociais. Lutou contra o patriarcado, fato, mas no final da temporada foi capturada por sua terrível arqui-inimiga: a normalidade.

Tentou ser normal, ser esposa, ser banal.
Tentou não fazer confusão nem falar palavrão.
Tentou, tentou, tentou até não sobrar mais um último fio de cabelo dela mesma.
Até se enxergar dizendo; obrigada, desculpa. Principalmente, desculpa.
Então, no decepcionante capítulo final foi atropelada pelo dia-a-dia e descredibilizada por sua atitude blasé e normal.
Estranhamente normal.
Não fazia sentido continuar escrevendo sendo normal, concluiu.
Sem mais rodeios, voltou para caverna de Platão, para o labirinto do Minotauro e lá, permanecia adormecida desde 2017.

Ep 01 – Temp 02
4 ANOS DEPOIS

Dormia eternamente em preguiça esplêndida quando 2021 apontou seus raios solares. É verdade que esses raios estavam encobertos por nuvens negras; sim Bolsonaro-pandemia-negacionismo-machimo, estou falando de vocês. Mas logo o vento levou a chuva e nossa anti-heroína, sem sombrinha ou pára-raios, aumentou o som do rádio:

Ôh, Rita, volta, desgramada
Volta, Rita, que eu perdoo a facada
Ôh, Rita, não me deixa
Volta, Rita, que eu retiro a queixa

Eu vivo pra voltar.
Fiz o caminho de volta tantas vezes que me deu labirintite.
Voltei pra academia, pro regime, pra decisão.
Voltei pra casa da minha mãe, algumas vezes e, quando possível, volto pro útero, deitada em posição fetal embaixo da cama box.
Volto, quando tenho sorte, pra mim mesma.
Volto sem retornos, sem hesitação.
Por isso, liguei a seta pra esquerda e voltei pro Batida Salve Todos.

Não é ficção, não é biografia.
O Batida Salve Todos é um aglomerado de palavras, emoções e experiências que fizeram de mim quem eu não sou. Que moldaram uma personalidade inventada dentro de uma pessoa real.

Voltei.
Espero que vocês voltem também.

Primavera – versão TPM

Hoje é a avant premiere da temporada “bem vinda primavera” em uma timeline perto de você. Redes sociais com mais flores que dinheiro nas malas do ex-ministro.

Recife, que por sua vez só tem verão, ama a primavera mas não é correspondida.

Tá, temos umas papoulas, uns ipês amarelos e bougainvilles, mas olha só, se você tirar a cara do celular e reparar direitinho, elas estão lá o ano inteiro.

Essa estação marota só vem pra constranger nossa auto estima e provar que além de não ter calçadas andáveis e ruas sem buraco, também não temos direito a míseras rosas, gérberas nem margaridas brotando livremente em jardins públicos. Provavelmente porque nem temos jardins públicos.

Na verdade eu nem queria flor, queria mesmo é que ninguém estacionasse na frente do meu portão (mesmo que seja rapidinho só pra pegar junior na escola), queria ficar na fila do supermercado sem ninguém furar a fila (porque a tia estava “guardando” o lugar) e queira muito que a GVT lá de casa entregasse a internet que ela promete no panfleto do sinal. Se no fim do dia ainda tiver uns girassóis, a gente agradece a preferência.

Minha homenagem neste dia, que marca o início do equinócio de primavera, vai para nosso queridíssimo Governador Paulo Câmara e seus 3,7 mil assassinatos em Pernambuco, só este ano. Pra comemorar, sobe som de Titãs:

As flores tem cheiro de morte

A dor vai fechar esses cortes
Flores
Flores
As flores de plástico não morrem”

*Sim, estou na tpm.