Vivendo em um hotel

Somos 20 recifenses distribuídos em 20 quartos do hotel 5 estrelas, isso segundo Bia de 7 anos cuja teoria afirma que se tem 5 andares deve ter 5 estrelas. A estadia, no limbo, já dura 37 dias e faltam mais 30. Viemos a trabalho e, como somos 20, estamos no esquema BigBrother onde a gente tem que se aguentar do café da manhã ao jantar, de domingo a domingo. Cinco já foram para o paredão, dois tiveram chikunguya, um teve um aneurisma mas que foi prontamente curado com whisky. Pressão alta é pré-requisito na contratação deste trabalho que vai durar pouco mais de dois meses, com sensação térmica de dois anos.

Nossos vizinhos de hotel não estão aqui a trabalho, claro. Andam impunemente de bikine e chinelo no elevador, desfilando seus sotaques e cheiro de protetor solar, sambando na cara de quem acorda ás 5 da manhã pra filmar nascer do sol (nosso trabalho envolve “filmação” e “gravagem” de comerciais, sempre seguidas da pergunta: “é pro Fantástico, é?”). Ouvimos dizer que o hotel fica de frente pro mar, tem piscina, drinks e uma enorme área de lazer na cobertura. Ainda não tivemos tempo de checar essa informação.

Minha labirintite piora só com o movimento de entra e sai de hóspedes. Quatro dias, aponta o IBOPE, é o tempo máximo de permanência. No meu andar já passaram a família de japoneses, as cariocas da terceira idade que além de muito “exqueci meu ixqueiro na exquina da excola”, carregam no perfume floral e hidratante de maracujá, as meninas do forró e saia curta, um time mirim de futebol, alguns executivos e um grupo gay friendly com mais de 60. Meu andar é animado, percebe-se. Nos fins de semana eles são muitos, nas segundas sobram as camareiras e a moça simpática do serviço de quarto, cujo nome eu tento decorar há 37 dias sem sucesso. A quantidade de S e Y me confunde um pouco.

Na primeira semana voltei do trabalho quase meia noite para, só então, descobrir que não tinha papel higiênico no quarto. Liguei pra recepção e surprise: “você não tem direito a papel higiênico, porque você é moradora e não hóspede”. Eu poderia ter achado ruim mas aí lembrei do Náutico, que levou 4 gols do lanterna da série B e, deixa pra lá, não tá fácil pra ninguém mesmo. Todos meus 20 coleguinhas de job ficaram sem papel higiênico provando que na vida as prioridades mudam repentinamente e que é nos momentos de “não pense na crise, trabalhe” que a gente coloca a criatividade em dia. Criamos a quadrilha do papel higiênico com técnicas avançadas de roubo do produto em banheiros públicos, de restaurantes e parques. A gente até tem dinheiro pra comprar, mas não tem tempo; confirmando a teoria de que o homem é bom, mas a sociedade o corrompe.

A van tem dois horários pra pegar e deixar nosso cansado, porém simpático, grupo. Na produtora somamos (com mais 20 e poucos funcionários locais) e nos dividimos em subgrupos: a produção fica no trailer, o jornalismo no quarto de Jack, edição no bunker do maruim, criação em Narnia e os massagistas no camarim (mentira, esse último grupo ainda não existe, mas está na pauta de negociação). A gente, que se amava no começo e que agora se contenta com um bom dia, se dá bem na grande maioria das vezes. “Eu vim pra trabalhar e não pra fazer amigos” é a piada, com aquele saudável fundo de verdade, da qual a gente ri todos os dias. As demandas, internas e externas, são muitas e se atropelam sem respeitar a faixa de pedestre. É uma luta, companheiro.

Quando vim pra cá trouxe dois livros, material de desenho e a suposição de que iria colocar minhas séries favoritas em dia, aí que hahahahahahahaha, rindo alto da minha inocência. As mulheres do grupo, elementos de alta periculosidade, planejam fuga em massa para fazer unha e depilação. Caso o plano não funcione, não posso garantir a segurança do resto da equipe.

O povo da edição, depois de algumas noites de trabalho sem dormir, anda babando e falando em estrangeiro. Achamos que pode ser contagioso, portanto isolamos eles no bunker de tijolo aparente. Afinal, estamos aqui para trabalhar, não para fazer amigos.

As outras histórias, destes primeiros 37 dias, foram censuradas pois podem chocar a audiência. Volto para contar mais, caso sobreviva

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *


*

Você pode usar estas tags e atributos de HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <strike> <strong>