Toca a campainha e corre.

Teve essa vez, só essa vez, que toquei a campainha e corri.

Eu nem era tão criança assim, para falar a verdade, devia ter uns 13 ou 14. Praticamente uma infância rebelde com delay de uns 5 anos, por baixo.

Foi no primeiro réveillon que voltei para casa com o sol nascendo. Fui com meu padrinho e a ideia libertária, de tocar e correr, foi do  tio Raimundo, que já tinha mais de 50 anos e 8 doses de whisky. E isso encerra o caso, demonstrando, com provas irrefutáveis, como fui uma criança tabacuda.

Tocar a campainha e correr foi o ápice da minha desobediência. Me senti uma punk de cabelos espetados, defendendo a cultura marginal e alternativa, enquanto cuspia nas calçadas de Londres. Eu sei que só toquei a campainha e corri, mas teve o mesmo efeito, praticamente.

A única experiência com drogas que tive na escola foi culpa do sono da minha mãe (ou da vingança da minha vó, como você verá em breve).

(Ah, as histórias em família)

- Mãe, estou com cólica. Preciso de remédio. Acho que devo morrer a qualquer momento.

(sobre o existencialismo dramático da adolescência, trataremos em outro texto)

- Abre a segunda gaveta e pega aí um, um, um….

Ela ia dizer Buscopan, juro, mas eram 5 da manhã porra;

- ….esse Lexotan. Toma um comprimido e vai pra escola que já já  passa.

Passou. Não sentia a cólica, não sentia a perna, não sentia a língua…

O Lexotan era de vó Lia e estava, segundo minha teoria da conspiração, perto demais do Buscopan. Muito suspeito, meu caro Watson.

- Alô, a senhora pode vir buscar sua filha? Ela está dopada e acho que chegou a hora mágica daquela conversinha sobre drogas e rock n´roll.

Não tivemos a conversinha porque, entre nós, sabíamos que a culpa não era da marcha da maconha. Só podia ser uma vingança, fria e calculista, da anciã de 80 anos.

Isso tudo porque eu assisti ao episódio de Beverly Hills 90210, que Brenda e Kelly faziam uma festinha em casa, e para disfarçar a orgia alcoólica, injetaram vodka numa melancia tipo exportação. Uma bandeja de prata servia os pedaços da fruta enquanto os pais pensavam “que juventude saudável”. Eu e Renata (bff) resolvemos fazer o mesmo. Compramos a melancia, injetamos a vodka, comemos meio pedaço (the tabacuda life, parte II) e seguimos para festinha do pilotis do prédio.

No dia seguinte, deu meio-dia e vó Lia não acordava. Mamãe preocupada, papai nervoso e eu “cadê a melancia que eu deixei aqui?”. Foi quando descobrimos que vó Lia era mais rock n´roll que eu, Renata e toda turminha do prédio juntos, e comeu a melancia t-o-d-a.

Então, o Lexotan no lugar do Buscopan, foi o jeito de vó Lia dizer que em boca fechada, a mosca entra pelo ouvido.

E graças a ela, tenho histórias muito mais legais para contar do que tocar a campainha e

correr.

M-U-I-T-O  mais legais.