Eu, o trânsito e o Recife ( a única ménage à trois possível dos dias modernos)!

Posso me imaginar, tranquilamente, abandonando o carro no meio de um engarrafamento da Agamenon. Ou da Domingos Ferreira, ou em qualquer lugar do Recife. Já esgotada minhas fontes de entretenimento para longos períodos de espera (lixa de unha, palavra cruzada, mp3, conversa com amigos imaginários e curso de auto maquiagem entre a primeira e a segunda marcha) estou preparada para me inscrever num supletivo à distância que ensina como utilizar seu tempo ocioso num espaço relativamente pequeno: o carro.
Não, esse curso ainda não existe, mas quem inventar vai ficar rico.

Foi-se o tempo do saudoso horário do rush. Agora três da manhã tem trânsito intenso, incluindo engarrafamento de blitz do bafômetro. Duas da tarde é horário de pico e às 10 da manhã, só saia de casa de carro se for tirar sua mãe da forca. Que, neste caso, vai morrer enforcada pois você não conseguirá chegar a tempo de impedir o desastre.

Chegar atrasado e culpar o trânsito não cola mais desde, pelo menos, 2009. E não adianta buzinar, meu filho, porque o carro da frente do da frente do da frente, não vai andar só porque você buzinou. Até porque, o da frente dele também está parado.

Para ser pontual no Recife, só tem uma solução: acorde mais cedo!
E não adianta ser 15 minutos mais cedo não colega, porque outras 39 mil pessoas já tiveram essa ideia antes de você. Tem que ser uma hora mais cedo (caso o deslocamento aconteça dentro do mesmo bairro), uma hora e meia mais cedo (pra translados entre bairros) e duas horas mais cedo caso um dos bairros (o de chegada ou o de partida) seja Boa Viagem.

E enquanto aguardo pacientemente o carro da frente andar, observo os ciclistas.
Ao mesmo tempo que tenho inveja dos ciclistas, temo pela vida deles.
Ainda prefiro ler o Alcorão de trás pra frente num engarrafamento do que pagar de moderna preocupada com o nível de monóxido de carbono na atmosfera e ser atropelada, não pelo efeito estufa, mas por uma Hilux 4×4 de 16 válvulas.

Por falar em ciclistas, é engraçado como eles se dividem em dois grupos totalmente diferentes (fisicamente e ideologicamente).
O primeiro, que está super na moda, é o ciclista por opção. É o cara que tem carro, mas para evitar o derretimento das calotas polares, comprou uma bike de mil reais, E.P.Is adequados para a segurança e mochila nike para levar o terno. Mas, apesar do aparato, este tipo de ciclista é o inseguro. Ele titubeia para atravessar uma rua, para indeciso nos cruzamentos e sua bike treme um pouco mostrando instabilidade e pouca intimidade com aquele tipo de transporte. Admiro a coragem, juro.
O segundo tipo de ciclista é por falta de opção mesmo. O cara é mestre do obra, ou vigia de prédio, ou pintor de escritório, ou entregador de pizza. Mora longe e trabalha mais longe ainda. Sabe que não pode contar com o transporte público e, por isso, já nasceu numa bicicleta. O pai levava ele e os três irmãos na mesma bicicleta para a escola (que ele só fez até a quarta série) e de lá pra cá, ele passa mais tempo cruzando as ruas da cidade na sua magrela do que em casa com seus cinco filhos. Esse, apesar de não ter capacete, nem tênis fluorescente, passa pelos carros como quem passa pela vida: numa nice!
O problema é que, quando a Hilux aparece com pressa e na tpm, ela atropela um ou outro, sem discriminação de marca de bicicleta.

Assim sendo, continuo no meu carro, durante o engarrafamento. E agora, além de fazer a unha, a maquiagem e a palvra cruzada, faço também um estudo sócio-psicológico das categorias e estilos de ciclistas. Quando acabar minha tese, entrarei na análise dos motoqueiros porque engarrafamento e trânsito tem de sobra!