Uuuuuuuuuuuu!

Se tivéssemos nos encontrado no elevador, em um dia qualquer, eu, acompanhada de três crianças, ela, a senhora elegante de cabelos brancos arroxeados, teríamos trocado um boa tarde e possivelmente esboçado um dialogo sobre como essa umidade do Recife não é boa para maquiagem.  Se houvéssemos nos esbarrado num ônibus, apesar de achar improvável ela andar de ônibus, teria cedido meu lugar. Se o embate fosse numa fila de banco, haveria pensado secretamente “lá vem outra preferencial, me lasquei, vou me atrasar pro médico”.

Mas nosso primeiro e derradeiro encontro se deu, não num dia qualquer, mas em um domingo de eleição. Ela, do cordão azul, vestida a caráter e sentada na varanda do restaurante. Eu, do time encarnado, andando pela calçada, carregando as já mencionadas três crianças. Não teria percebido a elegante  (sobre elegância discutiremos mais profundamente nos próximos parágrafos)  senhora de cabelo branco arroxeado, não fosse pela vaia. Sim, eu disse vaia.

Quase não entendi, pela falta de costume de ouvir um Uuuuuuu, porque, né, a última vez que fui vaiada foi na final de volley da sexta A contra a sexta B, quando eu perdi o saque que poderia salvar o time da derrota nas olimpíadas escolares. Perdemos, mas não sem antes a turma ser repreendida pelo treinador porque o que vale nessa vida é competir, dizem. A senhora de cabelo arroxeado, não mais tão elegante assim, parece não concordar e estava em pé me vaiando.

Edu não entendeu, Luca franziu a testa e Maria disse “você está louca, querida”.

É isso, vai que ela é a louca da vaia! Deve ter vaiado a enfermeira que ajudou no banho ontem e vaiou o homem da macaxeira, só porque ele passou do lado errado da calçada. Acho que vaiou o porteiro que disse bom dia quando, na real, já era boa tarde e vaia Faustão sempre que ele diz “ô louco, meu”.

Mas a verdade é que, uuuuuuuuuuu, todas as pessoas do restaurante, pelo menos todas as que estavam de azul, vaiaram junto com ela. Aí incluídas as duas netas da, cada parágrafo menos elegante senhora, que a partir daquele domingo aprenderam que é correto vaiar quando não se concorda com alguém. Para fins de contextualização, e não de vitimização, nosso crime foi passar pela calçada usando a cor errada.

Opções de reação:

A – Téta Barbosa saiu da conversa, se fosse no facebook.

B – “ Vai ficar frescando, é?” , com a mão devidamente colocada na cintura e o olhar meigo da noiva de Chuck.

Mas a cena perdeu o potencial cômico quando a senhorinha disse, com sua voz cheia de ternura: “ bando de comunista que só espalha merda”.

Atravessei a rua, me sentindo a emparedada da 17 de Agosto, num fim de tarde ameno com sensação térmica de #CalaBocaGalvão.

E essa foi a pior derrota que me ocorreu, desde a batalha contra a sexta A. Foi ali que percebi que perdemos para o pior adversário, desde a Alemanha: nós mesmos. Brasil contra brasileiros em uma disputa desonesta e vergonhosa.  Depois que, enfim, o Acre teve seus 15 minutos de fama e ficamos sabendo o resultado das eleições, me deparei com duas perguntas:

1 – O Acre ainda existe?

2 – O que comemorar em um país onde sua opinião não é respeitada, a Veja enlouqueceu, Collor foi eleito, Bolsonaro reeleito e vovozinhas de cabelo roxo sobem na mesa pra  vaiar?

#VaiTerDilma, e se vaiar, vai ter duas!

 

Seu voto vai pra quem?

Não sou dona de empresa nem nasci em berço de ouro. Não moro na parte mais desenvolvida e rica do Brasil nem sou homem-heterossexual que viaja para fora do país pelo menos uma vez por ano. Discordo da política, se assim se pode chamar, onde helicópteros com pasta de cocaína pousam em pistas privadas feitas com dinheiro público. Por isso, Aécio não me representa.

Não nasci no Coque nem na Linha do Tiro. Não frequentei escola pública muito menos precisei chegar num hospital `as 4 da manhã para pegar um ficha. Tenho plano de saúde (sou dessas). Precisei do transporte público pouquíssimas vezes, o que, contrariando minha aparente criação  pseudo-burguesa, acho uma pena. Fiz faculdade e tenho um emprego relativamente bom. Portanto, mesmo tendo um filho ainda em idade escolar, nunca precisei do bolsa-família. Por isso, Dilma, não necessariamente, me representa.

Marina e sua inconstância não me representam.

A histeria no Facebook e agressão entre amigos não me representam.

É bem nessa hora que você, classe média-média, assim como eu, percebe que seu voto não vai fazer diferença direta na sua vida. Que nada, na prática, vai mudar sua rotina.

E aí, tadahhhhhhhhh, a magia da democracia acontece. Você, de repente, percebe que talvez seja a hora, não de ser representada, mas de representar.

Que seu voto não é para e por você, mas pelo outro.

Já pensou que estranho?

Você pode representar o cara que nasceu no Coque, estudou em escola pública e acordou às 4 da manhã para pegar a ficha do raio X, ou o dono da empresa, seja ela de colchão ou de helicóptero com pasta de cocaína.

A resposta parece óbvia, a menos que Dado Dolabella ou Chiquinho Scarpa te representem.

Meu voto vai para Lia, que mora em Carpina, nunca foi à escola e trabalha varrendo quintal, por 2 Reais cada, das casas grandes do bairro. Ela depende do bolsa-família de Rebeka, 8 anos,  Renato, 10 anos, para comer.

Seu voto vai pra quem?

 

Você está louca, querida.

Num país imaginário, num dia chuvoso, poucos eleitores compareceram para votar. Os que apareceram, votaram em branco. Ninguém combinou pelo facebook, não havia líderes, nem revolução; não votaram, simplesmente. Um “corte de energia cívica” coletivo.

O Estado respondeu como respondem os Estados, de forma arrogante:

- “Ah, é assim? Então vamos nos retirar para ver como esse povo todo se vira sem o Estado!”.

O povo se virou. Cada um cuidou da limpeza da própria calçada, não houve assalto, arrastão nem PM humilhando motoqueiro negro , quem tinha carro dava carona para quem não tinha e ninguém sentiu falta do transporte público, que já não funcionava. Os médicos, mesmo os que não eram cubanos, passaram a atender os vizinhos e pararam de bater ponto em um hospital enquanto estavam trabalhando em outro.

O país era imaginário, como se vê, e não foi inventado por mim, mas por José Saramago, no livro Ensaio Sobre a Lucidez.  Desculpem o spoiler.

Antes que você diga “você está louca, querida”, não vim aqui defender o voto em branco, muito menos, o fim do Estado. Gosto da festa da democracia, que hoje bombou tanto que teve fila para entrar, ficar e sair. No Recife, apesar de uma manhã estranhamente chuvosa, branco não foi a cor tendência. Ao contrário, tinha tanta cor diferente que se eu fosse fabricante de esmaltes arriscaria uma coleção-eleição com os nomes criativos que só quem já usou o Azulcrination, da Risqué, ou o Vintage Rose, da Colorama, entende. Na fila da urna de votação havia o amarelo dinheiro, o vermelho decepção, o azul usina e a mistura do vermelho com o azul que resulta no roxo em cima do muro ou no lilás sem personalidade, depende da quantidade de pigmento, digo, de partidos coligados.

O vermelho coração estava em falta, disse a moça do salão, quer dizer, da zona eleitoral. Uma lástima.

Minha referência ao país imaginário do romancista português, sendo assim, nada tem a ver com votos em branco. Era tão somente para lembrar que o Estado, seja ele amarelo, vermelho ou azul, não é o único responsável pelo país. Se a moça de vermelho ganhar, não é ela quem vai convencer médicos a serem médicos honestos e não assinarem dois pontos na mesma hora. Se o Governo de Pernambuco amarelou, não será ele o responsável por você subornar o guarda para  não perder a carteira no bafômetro. A candidata que não gosta dos gays, mesmo equivocada em relação a causa LGBT, nada tem a ver com você parar em fila dupla, na Av. Rui Barbosa, para deixar seu filho no São Luis. O time do azul usina, mesmo perdendo, não é culpado por homens baterem, e até matarem, suas esposas quando levam gaia.

É, talvez eu esteja louca, querido. Mas grande parte da zona, que não é a eleitoral, deste país, é nossa culpa mesmo.

Novo, pero no mucho!

Talvez seja minha proximidade dos 40 ( só na idade mesmo).

Talvez seja o fato de que não quero ser trocada por duas de vinte.

Talvez seja minha mania de achar que o novo é bom mas o antigo é melhor.

Gosto de clássicos, sabe?

E talvez por tudo isso, não quero trocar uma cidade de 475 anos por duas de 200.

Não quero um Recife novo, pronto falei.

Quero o Recife de sempre, só que melhor.

Veja bem, isto não é um ataque a este ou aquele candidato, é para todos inclusive.

Tem até vereador ameaçando uma nova mudança! Redundância 2 X 0 candidato.

Talvez no lugar de novos hospitais, vamos fazer com que os antigos funcionem.

No lugar de novas ruas, vamos tapar os buracos das velhas.

O grande problema da administração pública, na minha leiga opinião, é que um gestor (palavra da moda) faz, mas o seguinte não continua.

E assim vamos nos acostumando com uma cidade pela metade.

Então, vamos combinar assim, quem assumir essa cidade cuida do que já está começado: acaba a porra da Via Mangue, conserta os equipamentos das UPAs, tapa os buracos da Madalena, resolve o engarrafamento do Parnamirim, paga melhor aos professores, dá condições de trabalho aos médicos, baixa as passagens de ônibus, resolve o problema da falta de água no Alto do Caetés, tira os adolescentes do crack, ….e depois, só depois, pensa em inventar coisa nova. Belê?

Porque, na moral, os problemas são velhos e as soluções também.