Em cima do muro, com um prato de azeitonas.

Gatos gostam de muros, lagartixas gostam de muros, até passarinhos, na falta de fios de alta tensão ou galhos de árvores frondosas, gostam de muros. Você, no entanto, não foi genética nem ideologicamente feito para ficar em cima do muro.

Sendo da raça humana, categoria sapiens, deveria ficar do lado de cá, onde as crianças jogam futebol no playground, ou do lado de lá do muro, onde o pastor alemão aguarda o jogador mirim desajeitado chutar no ângulo errado, fazendo a bola ir parar em seus dentes, no lugar do gol. No quesito opções, você tem duas: direita do muro, esquerda do muro. Precisa ficar em cima?

Esse texto é para você, que não se mete em briga de marido e mulher, que concorda com a maioria na reunião de condomínio, que diz sim senhor quando gostaria de dizer nem a pau Juvenal! Esse texto é para você que prefere ficar ali, na turma do deixa disso, abafa o caso, prefiro não me intrometer.

É fato que não descer do muro, ou pior, discordar da maioria, aumenta consideravelmente o risco de bullying. Então, seguimos falando bem de Deus, mal dos políticos, sendo a favor dos poodles e contra o governo. Caso contrário, é melhor preparar os argumentos, porque vai ter que se explicar. E muito.

Estivesse eu em cima do muro, esse texto seria sobre azeitonas. Ou melhor, sobre a dificuldade de comer azeitonas usando um palitinho de dentes. Todos concordam, imagino, que pescar o fruto escorregadio da petisqueira, usando apenas o palito ou garfo é tarefa com grau máximo de dificuldade. Pronto, habemus unanimidade. Trocar azeitonas por descriminalização da maconha, por exemplo, é arriscar perder a fama de boa moça. Não gostar de poodles é arriscar a vida. Ser contra quando estão todos a favor é enforcamento em praça pública.

“Devias saber que estar de acordo nem sempre significa compartilhar uma razão, o mais de costume é reunirem-se pessoas à sombra de uma opinião como se ela fosse um guarda-chuva”, mas parece-me que lá do alto do muro, não dá pra ler as letras miúdas de Saramago.

Lá do alto, te resta abrir o guarda-chuvas e ficar na sombra enquanto come azeitonas e assiste ao espetáculo.

*Texto publicado na minha coluna semanal do Blog do Noblat, O Globo.