Anjos da Guarda.

Existem sim, pode perguntar por aí.

Ao contrário de unicórnios e papai Noel, os anjos da guarda existem, sim senhora.

O que acontece, no entanto, é que eles não são assim, como eu posso dizer, como você e o inconsciente popular católico apostólico romano imaginam. Não são loirinhos nem têm cabelos cacheados, não tocam harpas muito menos possuem asas.  Enquanto você procura esse ser invisível, sentado numa nuvem e com cheiro de lavanda Johnson (favor apagar merchan), seu anjo da guarda está lá na cozinha.

Anjos da guarda são negros, pobres, têm cheiro de água sanitária, histórias tristes e dormem naquele quartinho entre o tanque e a máquina de lavar. Não se chamam Gabriel, nem Ariel, muito menos Emmanuel. São Terezas, Severinas, Marias, Antônias, Dadás, Zefinhas, do Céu, Conceição, das Graças. E te protegem, incansáveis, por um salário mínimo.

Vieram, assim como os unicórnios, de mundos distantes e imaginários. Mundos que você só ouviu falar em histórias para dormir; como roças, interior, periferia, favela, beco, quartinho alugado.

Lá, nesse reino tão tão distante a vida é diferente. Tem barulho de rádio evangélica, grito de menino, som de sirene, cheiro de suor, gosto de fubá. Lá, nada tem cheiro de lavanda Johnson.

Meu anjo da guarda chamava-se Antônia. Vó Tonha, mais precisamente. Criou meu pai, enquanto uma tia distante criava suas duas filhas. Me criou, enquanto seus netos cresciam lá longe. Criou Victor, enquanto seus bisnetos só a viam a cada 15 dias.

Tudo isso, enquanto uma geração inteira de católicos apostólicos romanos rezava para anjos loiros de olhos azuis.

Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador, sempre limpe minhas roupas, lave meus pratos, alimente meu filho, Amém.

O que me fez pensar nesse assunto?

Duas coisas distintas.

A primeira foi um post no facebook de alguém que dizia: “já deu bom dia ao seu anjo hoje?”, seguido de uma foto do anjo Gabriel e um link para eu descobrir, de acordo com a data do meu aniversário, quem é meu anjo. Um tal de  Haamiah, que corresponde a Agla – (Deus em Trindade com o Uno). No que eu disse, com todo respeito: “porra, nenhuma”. Haamiah nunca deu sequer um banho em Victor, nunca fez um bife de molho pra mim, nunca lavou o liquidificador de vitamina de banana. Sendo assim, Haamiah querido, pega o beco porque aqui o emprego para anjo já foi preenchido.

O segundo motivo, foi o filme documentário DOMÉSTICAS, de Gabriel Mascaro que assisti domingo.

Um filme do tamanho do Brasil.

Aí, depois de assistir, você decide se seu anjo vem dos Serafins e Querubins, ou se vem de Carpina mesmo.