A espera.

Na sétima série li esse livro chamado “A espera” (ou era “A varanda”, passei dos 40 portanto não lembro mais nem o que comi no café da manhã) para uma prova de literatura. O enredo dava conta de uma mãe que esperava o filho voltar sabe-se lá de onde. O cara saiu numa sexta-feira e sumiu no oco do mundo. “Deve ter ido dormir na casa da namoradinha”, pensava a mãe enquanto preparava o almoço . Cinco dias depois, “com certeza foi acampar com os colegas da faculdade” porque sabe como é esse pessoal jovem de hoje em dia.  Semanas, meses, um ano e essa porra dessa mulher botava o café da manhã, costurava, via novelinhas românticas na televisão, bordava, fazia o chá das 5, sentava na varanda para esperar ele voltar e, no fim do dia, deixava o jantar no forno, caso ele chegasse tarde e não quisesse acordar ela. Ah, mas esses jovens não gostam de dar notícias, né?

Quando questionada pelos vizinhos, “mas você não vai fazer nada?”, “já foi na policia”, ligou pra namorada?”, ela trolava a reposta e dizia apenas que “preciso voltar porque deixei o feijão no fogo, vai que ele volta e não tem almoço pronto”.

Eu queria matar essa desgraça desse menino, porque, velho, custa ligar de um orelhão? Mandar uma carta? Note que na época do livro não havia email ou iphone. Portanto, essa mãe passou o livro i-n-t-e-i-r-o esperando esse puto voltar e, quando você, caro leitor, achou que “já entendi professora, tem que sempre avisar a mainha e painho onde a gente está” vem o plot twist mais inesperado que a morte de Nerd Stark: na última página do último parágrafo do livro se descobre (alerta de spoil), por um jornal do vizinho, que o filho é um preso político desaparecido em plena ditadura militar.

Cai o pano.

Apenas o leitor descobre, perceba, porque a mãe não gosta desses jornais que só tem notícias tristes.

Minha gente.

O autor, que eu odiei e agora amo, não preparou o inocente leitor adolescente e alienado para fim dessa história. Em NENHUM momento do livro de 300 páginas se falou de política, golpe, ditadura, presos, mortes, militares, luta estudantil, protestos, falta de liberdade. Foram 300 páginas de chá da tarde, novelinhas, bordados, cafés e almoços feitos em vão. 300 páginas, mano!

(Não sei bem se eram 300 páginas. Devem ter sido 30 com sensação térmica de 300)

Agora, dada a presente situação do país, não paro de pensar nesta “A espera”.

Fico imaginando que todas as pessoas que foram a favor do impeachement , do fim da democracia  e agora planejam boicotar o filme Aquarius, estão em casa assistindo novelinha, fazendo o chá da tarde e imaginando que o Brasil foi apenas acampar com os amiguinhos. Imagina quando descobrirem que, ops, não.  Na dúvida, pra vocês, melhor não ler jornal, porque só tem notícia triste mesmo. E corre pra botar o feijão no fogo já que as panelas já não servem mais para bater.

O dia que o Brasil pegou o beco.

Neste dia, o país desistiu.

Não falo dos brasileiros, nem das belezas naturais ou riquezas ambientais mas, do país em pessoa. Ele mesmo, o Brasil, aquele barrigudo com o umbigo pelas bandas da Paraíba e pernas finas que descambam no Rio Grande do Sul. O país de corpo e alma, esse de quem se fala ora com patriotismo, ora com absoluto desrespeito, pegou a mala e disse, sem muito mas, mas, mas… “puta vibe errada, mêu” e partiu não se sabe pra onde. Dizem que foi visto falando em estrangeiro pelos lados do Kasaquistão. Outros juram ter visto a pátria, descalça, conversando com anarquistas Maoris da Nova Zelândia.

O certo que é descrente de qualquer crença ou futuro, o Brasil juntou o que restou de sua dignidade, enfiou seu independência ou morte em uma mala sem rodinhas e com total desapego de ficar deitado eternamente em berço esplêndido, partiu, pegou o beco.

Foi pra luta ou pro bordel, não se sabe ao certo.

É que nesse mesmo dia, o gigante acordou com uma ressaca triste.  Pode ter sido TPM, para quem jura que a pátria amada, salve, salve, é mulher. E saiu cambaleando sem entender como, de uma dia para outro, a gente deixou meia dúzia de Zé Mané tomar uma cerveja e o poder, não necessariamente nesta ordem.

-       Vocês deixaram Eduardo Cunha fazer a egípcia para a democracia enquanto Michel Temer fez a Suzana Von Richthofen com a presidenta, e vocês ficam aí no facebook?, esbravejou o gigante com um hálito de quem não abre a boca há mais de 500 anos.

Os brasileiros tentaram se explicar, mas foi em vão. A voz trêmula do gigante pronunciou sua sentença final em tom de sussurrou “posso sair daqui pra me organizar, posso sair daqui pra desorganizar” e deixou seus súditos na lama e no caos.

Os otimistas dizem que ele volta, se a gente se organizar direitinho. Os realistas dizem que deixamos o país mergulhar nas profundezas do mar sem fim e que o Brasil se foi para todo o sempre, amém.

Agora, atônitos, o povo, governado por golpistas de direita, se pergunta: como vai ser daqui pra frente?

Spoiler: vai ser uma merda.

A não ser, claro, que a gente…….(escreva aqui o final da sua história).

*Fábula censurada para menores de 15 anos, por motivos de “é cedo demais para perder a esperança e a virgindade política).

 

Desculpa.

Pai e mãe, venho hoje pedir desculpas. Não pela minha adolescência pseudo-rebelde, nem por ter sido mãe solteira. Não peço perdão pelas tatuagens nem pelos palavrões,  tão próprios da minha geração e da minha personalidade. Nem venho, arrependida, falar sobre maconha nem me justificar quanto a faculdade particular.

Venho hoje,  não pelas minhas falhas pessoais de filha mais velha e primeira neta mimada, muito pelo contrario, venho em nome de uma geração inteira pedir perdão.

Nos anos 1980 estávamos tão ocupados com shows do Menudo e com o cubo mágico e não vimos quando vocês choraram a morte de Tancredo Neves.  Talvez eles gostem muito do cara, devo ter pensado entre um diplick e uma fita cassete do Pink Floyd. Não tive tempo de perguntar o que significavam aquelas lágrimas. Entretidos com River Raid no Atari, não paramos para entender, como deveríamos, o “Diretas Já” nem porque estavam todos de verde e amarelo se nem era Copa do Mundo. Não prestamos a devida atenção quando vocês contaram as histórias de amigos desaparecidos durante a ditadura, estávamos ocupados demais usufruindo da nossa liberdade.

Portanto, pai e mãe, a Democracia nos foi entregue de bandeja, como uma fatia suculenta de bolo de rolo. A gente sabia que era bom para o país, mas não tinha ideia, entretidos com nossa infância, de como ela tinha sido feita. Ninguém parou de bater papo no Mirc para se perguntar como aquelas fatias de doce de goiaba haviam sido colocadas tão delicadamente entre as finas camadas de pão de ló. Se tivéssemos dado uma pausa no vídeo cassete, perceberíamos, entre as cenas de ação de De Volta para o Futuro, que permeando o pedaço daquele bolo haviam camadas e mais camadas de luta e sangue do povo brasileiro.

E assim, seguimos por 1990 e 2000 como se a liberdade fosse um presente que a gente ganha quando não é natal nem aniversário. Como se o respeito ao voto fosse parte da evolução da espécie de que Darwin tanto falou.  Parecia tão fácil que a gente não aprendeu a cuidar da Democracia, pai. A deixamos largada, ignoramos sua importância, superestimamos sua força. Deixamos ela vagar, solitária, por becos escuros e úmidos.  Não sabíamos, mãe, como ela era  frágil e delicada. Achávamos que, assim como nós, a Democracia iria durar para sempre. Que, assim como as aventuras da Sessão da Tarde, ela teria um final feliz.

Agora, entalados, não pela bala soft da nossa infância, mas pelo assombroso  fim anunciado de todos os direitos pelos quais vocês lutaram, nós pedimos perdão. Não soubemos cuidar da nossa herança. Não tínhamos como saber.

Perdão se o voto de vocês, expressão máxima deste regime político onde o povo exerce a soberania, vai perder a validade sem nenhum motivo plausível ou justo. Sei que foram votar carregando a bandeira de uma ideologia de igualdade entre as classes mas, pai e mãe, aprendi hoje o que vocês já sabiam desde os tempos do Golpe de 64: o poder engole a liberdade, a ganância engole o respeito,  a mentira engole a imprensa e, o pior de tudo, o dinheiro engole o amor.

Pai, você aos 73 anos de idade, me disse hoje: “sou pessimista, está tudo perdido. Perdemos tudo pelo que lutamos uma vida inteira.”

Te respondo com as palavras de José Saramago: “não somos pessimistas, o mundo é que está péssimo”.

Obrigado por nos ensinar de que lado ficar nesta luta desigual entre formigas e lobos. Mas sabe de uma coisa? Ouvi dizer que quando as formigas se juntam, formam um exército capaz de derrubar uma alcatéia inteira.

Seu voto vai pra quem?

Não sou dona de empresa nem nasci em berço de ouro. Não moro na parte mais desenvolvida e rica do Brasil nem sou homem-heterossexual que viaja para fora do país pelo menos uma vez por ano. Discordo da política, se assim se pode chamar, onde helicópteros com pasta de cocaína pousam em pistas privadas feitas com dinheiro público. Por isso, Aécio não me representa.

Não nasci no Coque nem na Linha do Tiro. Não frequentei escola pública muito menos precisei chegar num hospital `as 4 da manhã para pegar um ficha. Tenho plano de saúde (sou dessas). Precisei do transporte público pouquíssimas vezes, o que, contrariando minha aparente criação  pseudo-burguesa, acho uma pena. Fiz faculdade e tenho um emprego relativamente bom. Portanto, mesmo tendo um filho ainda em idade escolar, nunca precisei do bolsa-família. Por isso, Dilma, não necessariamente, me representa.

Marina e sua inconstância não me representam.

A histeria no Facebook e agressão entre amigos não me representam.

É bem nessa hora que você, classe média-média, assim como eu, percebe que seu voto não vai fazer diferença direta na sua vida. Que nada, na prática, vai mudar sua rotina.

E aí, tadahhhhhhhhh, a magia da democracia acontece. Você, de repente, percebe que talvez seja a hora, não de ser representada, mas de representar.

Que seu voto não é para e por você, mas pelo outro.

Já pensou que estranho?

Você pode representar o cara que nasceu no Coque, estudou em escola pública e acordou às 4 da manhã para pegar a ficha do raio X, ou o dono da empresa, seja ela de colchão ou de helicóptero com pasta de cocaína.

A resposta parece óbvia, a menos que Dado Dolabella ou Chiquinho Scarpa te representem.

Meu voto vai para Lia, que mora em Carpina, nunca foi à escola e trabalha varrendo quintal, por 2 Reais cada, das casas grandes do bairro. Ela depende do bolsa-família de Rebeka, 8 anos,  Renato, 10 anos, para comer.

Seu voto vai pra quem?

 

A lenda do Pé Grande.

Lá nas montanhas rochosas e densas florestas americanas ele toca o terror. Como se fosse o Godzila em Tóquio ou King Kong dando um “rolezinho” em Nova York, o Pé Grande é a perna cabeluda, versão exportação.

Assusta as moças virgens e destrói a mata selvagem – ou seriam as moças selvagens em matas virgens? – assusta criancinhas e desmoraliza os caçadores. O Pé Grande é o cara. Alto, forte e ainda fala inglês, o primata gigantopithecus é o rei do camarote e pega geral nos Estados Unidos e Canadá.

Enquanto isso, do outro lado do hemisfério, na cidade-arrecife, mais conhecida por suas polêmicas e guerras provinciais, um burburinho ecoa no ar.

O Pé Grande chegou à cidade.

Vem disfarçado, que é pra diminuir o reboliço, com o pseudônimo de Pezão e, pelos boatos, vem armado.

Sabendo que recifense bate um bolão quando o assunto é briga e confusão, Pezão, hominídeo da raça homo sapiens sapiens, veio preparado para guerra. Traz consigo na mão esquerda uma munição importada de espumantes Chandon, que pretende servir, pasmem, em taças. A mão direita está carregada de ombrelones com o terrível objetivo de disponibilizar sombra para seus clientes. Como se não bastasse, oferece cerveja gelada, obrigando seus fregueses a degustarem a gélida vingança do abominável homem das neves.

Uma lástima, senhoras e senhores. Nunca se viu tão terrível criatura na terra dos caranguejos.

Políticos, digo, caçadores de todas as partes da aldeia global, querem sua cabeça. O prêmio pela captura de tão execrável espírito de empreendedorismo é a fama midiática e a garantia do cargo público neste tão saudável ano eleitoral. Os candidatos erguem as tochas e saem em busca da fera. Alea jacta est e a sorte do monstro está lançada, pelo menos até a contagem das urnas.

Secretários, adjuntos, assistentes. Todos unidos e um plano: o ordenamento da praia de Boa Viagem (cujos 7 km de orla estavam desordenados há décadas graças às investidas malignas da fera Pezão).

No mundo acadêmico, cientistas incrédulos assistem ao episódio e concluem, contrariando todas as pesquisas feitas sobre o lendário Pé Grande: ele não descende dos primatas bípedes, como havia se pensado durante décadas, mas da espécie Capra Aegagrus, popularmente conhecida como bode (o masculino da cabra), existente em abundância no Nordeste: o bode expiatório.

Béeeeeeeeeeeeeee.

*Texto bobo, sobre  polêmica boba. Segue a matéria (pra quem não é da cidade-arrecife) aqui.