Rebobine a fita.

Estive na locadora e lembrei de você.

Qualquer semelhança com souvenir de viagem “estive em Caruaru e lembrei de você” é mera ilustração literária. Poderia, claro, ter lembrado de você em Londres ou Nova York, mas não tá fácil pra ninguém e com o preço do dólar, mal dá pra passar o fim de semana em Porto de Galinhas.

O fato é que estive numa locadora, daquelas de vídeo cassete, e lembrei de você. Em verdade, em verdade vós digo; não foi bem numa locadora que estive, porque elas já não existem desde que a TV a cabo e o torrent invadiram nossas vidas. Eu estive mesmo foi na memória da era glacial das vídeo-locadoras. Na lembrança daqueles corredores de filmes e títulos nunca dante navegados.

Era lindo ir pra locadora.

E era lindo porque depois de escolher o filme, pagar, levar pra casa,  colocar no vídeo cassete e assistir… você ainda tinha que rebobinar a fita. E é, justamente nesse rebobinar de fita, que lembrei de você. Não de você especificamente, mas lembrei da humanidade inteira. Foi nessa hora que um insight  me atingiu e eu criei a teoria que pode, vejam bem, salvar a humanidade deste caos ego-lombra-global. Apresento a você a Teoria Filosófica da Era Pós Digital chamada REBOBINE A FITA. Se isso não redimir o ser humano, nada mais irá.

Pense comigo: porque a gente rebobinava a fita?

(Fora a multa da locadora, claro.)

A gente rebobinava a fita, em um mundo perfeito, para que o próximo, seja ele quem fosse, recebesse o filme do mesmo jeito que a gente recebeu: no ponto certo de começar o filme. Ou seja, se você teve o privilégio de colocar a fita cassete e simplesmente dar o play, foi porque alguém rebobinou a fita antes de você levar ela pra casa.

Rebobinar a fita significa, tão somente, entregar ao outro exatamente o que você recebeu.

Isso, meus amigos, só pode ser amor.

Agora vamos traduzir o que é, na vera, rebobinar a fita:

Sabe aquela tesourinha de unha que você achou na caixinha de esmaltes? Porque porra você não bota no mesmo lugar depois de usar?

Rebobinar a fita é não deixar sua bandeja suja na mesa do shopping para que o próximo encontre a mesa limpa, do mesmo jeitinho que você encontrou. É colocar o requeijão de volta na geladeira, é apagar a luz que você acendeu, é fechar a pasta de dente.

Custa fechar a pasta de dente, velho?

É devolver o que você usou, mesmo que não existam mais fitas cassetes ou multas por não rebobinar as fitas cassetes, igualzinho como você encontrou.

É fácil?

É.

É divertido?

Não. Sejamos francos.

Rebobinar a fita era a pain in the ass. Aqueles 4 minutos inteiros perdidos olhando para o vídeo cassete, ouvindo aquele barulho irritante de fita voltando sem poder fazer nada pra agilizar o processo. Nem instagram ou facebook existiam na época, para você ficar ali, de bobeira, vendo fotos e vidas alheias, enquanto a caceta da fita voltava para o ponto inicial.

Mas era amor.

E amar, minha gente, nunca foi fácil. Principalmente quando é o amor ao próximo.

Rebobinar a fita é parar de tirar selfie e se oferecer para tirar a foto do casal ao lado. É tirar a foto de uma família que você nunca viu na vida, porque nenhum pau-de-selfie vai enquadrar aquelas 39 pessoas.

Moral da história: se você não deixar o chinelo jogado no meio da sala, vai dar tudo certo.

Se a teoria de rebobinar a fita funcionar e salvar a humanidade, quero meus direito autorais (para poder amar ao próximo brindando com Veuve Clicquot).

I rest my case.